sábado, 26 de dezembro de 2009

LAMBIDA DEVASSA

Daquele mês de março
De um século que se foi
Deixarei com souvenir
O meu crachá
E uma certa ansiedade
De quem espera uma namorada
(Ou será um namorado?)

Foi bom ter navegado por sites eróticos
E esporrar nesta cueca que deixo
Para que seja lavada pelas senhoras recatadas

Agora...
Começo a lamber a calçada esburacada
Deste puteiro a céu aberto

Só levo comigo o lar que adquiri
(ou home page, se preferes assim)
As subidas no teleférico
E a água de coco da Praça da Inglaterra

Railton Santos

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

SONS

Ao som do dia se ouve um cantar
Sinfonia de pássaros à Beethoven
Melodias doces em movimento
Canções consonantes, agradáveis.
Sintonia vibrante, choque das moléculas
Vibrar contínuo entre querer e paixão
Atenção à regência querida e requerida
Sonidos frenéticos pulsando,
Rataplando dentro do peito.
Regi-se pelo olhar... Mergulha n’alma
Sonoros suspiros, cadência aumentada
Sensível em direção à tônica (fundamental)
Resolução perfeita sem decepção
Sons sustenidos alterados
Sonidos suaves, cântico agradável.
Som, sinfonia, sintonia, sonidos, sonoros,
Sons... harmonizando.
Soa meu músculo pulsador
Ressoe seus sons e componha em mim uma canção.

Alfredo Oliveira

sábado, 19 de dezembro de 2009

POETAS DE AMANHÃ

Poetas de amanhã: arautos, músicos,
cantores de amanhã!
Não é dia de eu me justificar
E dizer ao que vim;
Mas vocês, de uma nova geração,
Atlética, telúrica, nativa,
Maior que qualquer outra conhecida antes
- levantem-se: pois têm de me justificar!

Eu mesmo faço apenas escrever
Uma ou duas palavras
Indicando o futuro;
Faço tocar a roda para frente
Apenas um momento
E volto para a sombra
Correndo

Eu sou um homem que, vagando
A esmo, sem de todo parar,
Casualmente passa a vista por vocês
E logo desvia o rosto,
Deixando assim por conta de vocês
Conceituá-lo e aprová-lo,
A esperar de vocês
As coisas mais importantes.

Walt Whitman (1819-1892)
Tradução de Geir Campos

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

BAR DE PIAÇAVA

Há becos
Ruas
Avenidas
Caminhos
O nosso caminho

O caminho dá pra esquinas
Pra esquina
De Ondina
A esquina
A nossa esquina

Na nossa esquina
Há bares
Há bar
Há um bar
O nosso bar

De frente pra ondas
Pra ondas do mar
Ficou guardado o point
O nosso eterno Caiambá

Railton Santos

domingo, 6 de dezembro de 2009

ROSA OFERECIDA

Vem aragem
Traz-me o perfume
Da rósea manhã
Refresca-me a cuca
E faz-me alerta

Vem perfume da manhã
Nas asas da aragem fria
E acalenta esse desejo doido
Destrói essa tristeza árdua
Me acorda pra beijar
A rosa oferecida
Que me faz ter vida

Vem rosa
Desabrocha o canto
Nesse beijo ardente
Queimando tuas carnes
Pétalas sedentas
Rotas

Quero saciar esse desejo
Tão varrido
Como a aragem
Desvairada
Solta

Rosalvo Júnior

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

INSÔNIA

Noite infeliz
De barulho e confusão
Os pastores anunciaram a chegada de Deus
De Jesus Salvador
O Deus da luz
De afável coração
Que quis nascer nosso irmão
E a nós todos salvar
Manchete de jornal:
”Recém-nascido é encontrado no lixo à margem de uma grande avenida”
O pobrezinho nasceu na Bahia
Oh noite infeliz!

Railton Santos

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O AMOR DE DEUS

ONDE ESTAVA O AMOR DE DEUS
QUANDO DEVORARAM OS CRISTÃOS NO COLISEU
QUANDO ASSASSINARAM MILHÕES DE JUDEUS
E EVAPORARAM HIROSHIMA E NAGASAKI?
ONDE ESTAVA O AMOR DE DEUS
QUANDO DEVASTARAM O VIETNAN
QUANDO SADAM BOMBARDEOU O IRAN
E OS AMERICANOS INVADIRAM O IRAQUE?

PROCUREI PELO AMOR DE DEUS E ELE NÃO ESTAVA
NOS NAVIOS NEGREIROS QUE CRUZARAM O ATLÂNTICO
NAS FAVELAS ESPALHADAS PELO MUNDO
NOS FAMINTOS DOS SINAIS DE TRÂNSITO
NO ABANDONO DAS BOCAS DE FUMO

ONDE ESTAVA MEU DEUS O TEU AMOR
QUANDO MATARAM O TEU FILHO
E EM NOME DAQUELE SANGUE DERRAMADO
A HUMANIDADE SEGUIU ERRANTE
A PROCURA DO PARAÍSO PROMETIDO
ENQUANTO PASTORES DE TELEVISÃO ENLOUQUECIDOS
ENRIQUECEM ÁS CUSTAS DO TEU POVO
PERDIDO NA FÉ DO TEU AMOR

PROCUREI PELO AMOR DE DEUS E ELE NÃO ESTAVA
NOS AVIÕES QUE DERRUBARAM AS TORRES GÊMEAS
NAS DITADURAS QUE TORTURARAM SEM PENA
AQUELES QUE SONHARAM SER POSSÍVEL
E DERAM DE CARA COM O NADA.

Ricco Duarte

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

AUTOBIOGRÁFICO COM UM TOQUE

AUTOBIOGRÁFICO COM UM TOQUE
BUKOWSKIANO

Uma noite daquelas.
Duendes brincavam de cabra-cega
nos becos fétidos
merda, mijo e lixo humano
floriam minha fantasia urbana.
Um semi-deus marginal
prossegue seu calvário
caminhando trôpego
calando um certo inconformismo
em oníricos delírios etílicos.
Ao chegar em casa
jatos de vômito iriam emporcalhar
a 2ª edição de seu livro.
Os deuses reunidos
e às gargalhadas
colocaram o seguinte título
naquele poema cotidiano:
“Os grandes poetas morrem
em penicos fumegantes de merda”.

Lula Miranda