domingo, 31 de janeiro de 2010

O APELO QUE RESTA

Conheço esta manhã:
Seu ar unido e úmido
Seu fundo azul
Sua baça claridade.

Esta manhã vivi lá,
Vivi aqui, no infinito,
Na vida e na morte,
Na impenetrável idade.

Esta manhã me salve
Esta manhã me grave
Esta manhã me crave
Em todas as tardes.

Mayrant Gallo

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

HOJE DESAPRENDO O QUE TINHA APRENDIDO ATÉ ONTEM

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.

Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano

permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender.

Cecília Meireles

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

ROSALVO ENTREVISTA RAILTON


P – Conheço algumas de suas inquietações, desde longínquos anos 80 quando descobríamos no teatro uma forma de manifestação cultural. Sei da sutileza do seu verso; onde busca inspiração?
R – Estamos acabando a primeira década do século XXI e minhas inquietações aumentaram. Sempre tive este jeitão contemplativo. O mundo se apresenta para mim como se fosse um quadro, e nele qualquer elemento pode servir como fonte de inspiração, assim como, por exemplo, a beleza da Baía de Todos os Santos, a devassidão do Largo Dois de Julho ou até mesmo a miséria dos que dormem na Praça da Piedade.
P – A idéia do Corcel Poético é muito bela e bem vinda a nós poetas (ou quase isso como me coloco). Como vê o uso dessa importante ferramenta virtual para a disseminação da poesia?
R – Aprecio a revolução que a Internet causou nas comunicações da Contemporaneidade, o mundo ficou pequeno. Vejo com entusiasmo o uso do Blog como forma de interação entre o escritor e seus leitores.

P – Qual o critério usado na seleção dos poemas que o site divulga?
R- O critério usado é a qualidade, tenho encontrado uma certa facilidade neste sentido, uma vez que tenho caminhado ao lado de pessoas talentosas e competentes. No Corcel Poético só tem feras.
P – Marina, Dilma ou Serra? O Brasil muda com esses candidatos?
Com Serra, o Brasil muda para pior e com Dilma ou Marina, ele muda para melhor. Ainda não sei em qual das duas eu vou votar.
P – Conheço um pouco seu lado místico, qual a influência de sua experiência de vida na sua poesia?
R – Cá entre nós, eu nunca fui materialista. Sou filho de Xangô e tenho ascendente em Sagitário; vem daí, esta inclinação para a Literatura.
Não sei viver sem minhas orações, meditações e de vez em quando gosto de fazer oferendas para os meus Orixás.
P – A poesia ou a vida lhe impõe limites?
R – A vida é bem maior que a arte, não existe ficção que supere o absurdo de certas cenas do nosso cotidiano. A vida impõe limites e a poesia não.
P – Como se coloca diante do massacre que nós humanos estamos impondo à natureza e ao planeta em que vivemos?
R – Como sou professor do ensino fundamental, procuro passar pro meus alunos uma consciência ecológica.
P – O medo do tempo é maior que a esperança da maturidade plena?
R – Não temo as rugas, nem os cabelos brancos. O que me angustia no processo de envelhecimento é ver a partida de entes queridos. Mas busco a maturidade plena. A minha mestra, neste sentido é Cecília Meireles.




terça-feira, 26 de janeiro de 2010

RAILTON ENTREVISTA ROSALVO

No Haiti, depois da Tragédia, pessoas brigando por comida, na Bahia pessoas vasculham o lixo atrás do pão. A poesia é útil para quê?

R – Mesmo diante das tragédias que a natureza impõe ao homem, e tem sido assim desde tempos imemoriáveis, que a poesia sobreviverá. Há versos – toscos versos - nos registros ancestrais rupestres. E continuará sempre existindo rima onde há flor, colibri e o sorriso; pode ser mesmo o sorriso triste de um sobrevivente do Haiti, que, como bem disse o poeta, pode ser aqui mesmo bem pertinho de nós.

Vc tem se revelado um grande cantor do Sertão. Alguma vez, já pensou em cantar o Mar?
R – A o mar, este também está entre os devaneios da poesia de todos nós. Mesmo quando o sertão se impõe por lembranças, o mar sempre é uma possibilidade. Quem sabe o dia a sereia, ou mesmo seu canto, faça-me voltar meus versos para essa grande casa da mãe dágua.
E os temas angustiantes, tais como morte e processo de envelhecimento?
R – A morte é um processo natural, uma meta metafórica para um recomeço. O envelhecimento, este também é conseqüência do tempo. Há que haver um amadurecimento da velhice, a compreensão dos limites para que o final seja indelével feito a brisa que nos bate no rosto em dias límpidos.
Já escreveu sobre o Homoerotismo?
R – Na verdade toda poesia tem um objeto de desejo, seja hétero ou homo. As carências estão presentes em muitos versos. Mas o importante mesmo é viver cada experiência com simplicidade e acima de tudo respeito.
Quais foram suas leituras durante a infância e adolescência?
R – Eu menino ainda. nos cafundós de minha querida Brotas de Macaúbas, era um incansável leitor. Amigo do chefe do posto do IBGE, que hoje inexiste na cidade juntamente com as mais diferentes representações e repartições públicas federais, tive acesso a uma grande biblioteca. Grande para o ser criança que era. Foi lá que conheci Machado de Assis, Jorge Amado, Monteiro Lobato e a maravilhosa Clarice Lispector, dentre tantos outros autores que me fizeram descortinar um mundo grandioso muito além das formações montanhosas da Chapada Diamantina.
Vai votar em Dilma, ou Marina Silva?
R – A história da “companheira” Dilma é impressionante, de coragem e desafios. Mas me comove mais a determinação de Marina, uma mulher marcada pela desesperança dos seringais amazônicos. São duas candidatas fortes que podem fazer muito pelo país, desde que o aparelhamento estatal seja desprezado juntamente com a distribuição de cargos às hienas políticas de sempre. Mas não sou político; na hora de votar o coração decidirá!
O que representa viver no século XXI?
R – É imperativo viver, mesmo nesses tempos difíceis de violência e luta pelo pão de cada dia. Mas creio que caminhamos para o futuro. Hoje a certeza de nossa sobrevida na Terra é maior que antes. Só que não estamos cuidando da sobrevida do nosso Planeta Azul. Fica a reflexão para o menor gesto que seja no dia a dia se transforme em carinho ao lugar em que vivemos...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

LÁGRIMA DE DIAMANTE

Os cabelos metamorfosearam-se em arame
Os dentes em marfim,
E tudo que ainda restava do antigo rosto...
Nesta pedra muito dura.

Do olho esquerdo saiu uma bala
Para quebrar aquele espelho.

Railton Santos

domingo, 17 de janeiro de 2010

A VIDA É UMA BÊNÇÃO

Todo dia ela passava
Pelas ruas
E derramava bênçãos
Toda noite ela passava
Pelas ruas
E derramava bênçãos

Passos rápidos
Pega a onça
Fazendo da enxada
A espingarda
Mata a onça

Todo dia ela contava
Histórias
E encantava o mundo
Toda noite ela contava
Estórias de onça
De cobra, de zabelê

Pele negra- curtida de sol
Pele negra- curtida de África
Cabelos brancos- marcas do tempo
Inclemente o tempo
A fazer-lhe rugas no rosto

A beleza do sorriso
Os passos da dança
A insistência de vivenciar
Todos os passos
Permaneciam
Marcando essa imensa
Demonstração de alegria
De que a vida é uma benção
Como as muitas que ela distribuía.

Rosalvo Júnior

sábado, 9 de janeiro de 2010

VEREDA

Rinrinando vai o carro de boi
Na manhã vasta de luz
Na secura que consome carne e cascalho
Na fome bruta a revirar entranhas como um verme.

Magro alimento a terra.
Magros boi e homem
Como se a doença os comesse.
Magro o rastro que fica para a arqueologia futura.

Mayrant Gallo

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

AMNÉSIA

Queria não mais te ver
Acordar pela manhã e não te encontrar
Sair por ai e não sentir você por perto
Queria não ter que sorrir para você
Ignorar suas piadas tolas
Seu humor oscilante
Não precisar alimentar seu ego.
Queria não lembrar de você
Tornar-lhe neutro, invisível!
“Deletar” qualquer coisa a seu respeito
Reeditar um novo enredo.
Queria mergulhar no grande mar do esquecimento
Sentir o silêncio da sua ausência
Não ter mais que te sentir.
Negar sua pré, pós e eterna existência.
No momento anterior: Não te ver.
Ulterior: Não te rever, esquecer.
Fazer o quê?
Pensei ter meu desejo realizado, que nada...
O reflexo do espelho desfez tudo.


Alfredo Oliveira

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A PALAVRA DE AMOR

Palavras são como gotas d’água
A procura da sentença certa.
As vezes a sentença é de morte
E se faz um corte com a faca cega.
Tem palavras que unem o sul e o norte
As que dão voltas
E as que seguem em linha reta.
As palavras gotas de sereno
São as minhas favoritas
Caídas da madrugada
Fugidas de uma possível noite escura
Para dizer que nada
Nada como um dia após o outro
Para descanso da lua
E para os louros de um sol intenso.
Tem as palavras zig zag
De quem dirige bêbado
As de almanaque
As de prozac
E as de quem dá tiro a esmo.
Mas a palavra de amor é direta
E atinge como uma flecha
O doce coração amado
Mesmo que ele seja velho e desdentado
Mesmo que ele escute pouco
Não enxergue direito
E bata assim distraído
Quase parado
Pensando que não tem mais jeito.
A palavra de amor é a que te salva
A que te estende a mão
Com todos os acentos
Porque a palavra de amor é cachoeira
Um rio que corre infinito
Para os oceanos da eternidade
É palavra que não se parte
Que não chega tarde
Que molha os olhos
Para enxaguar a alma
E assim permanecer inteira
Liberta!
Portas e janelas
Apontando para o horizonte
Pois a palavra de amor é fonte
De uma nascente que nunca seca.


Ricco Duarte

domingo, 3 de janeiro de 2010

MENINO RUEIRO

Menino rueiro
Que anda descalço
Pelas ruas desertas
Um deserto de idéias
E querer
Menino rueiro
Com os pés descalços
Na rua aos percalços
Sem amor
Menino rueiro
Correndo as calçadas
Brincando nas escadas
Sozinho
Sem ninguém
Menino engraxate
Sorveteiro, pipoqueiro
Vendedor de algodão doce
Que fizeram de você?
Menino esperança
Dessa terra, mundo cão
Rueiro é por índole
Que mais quer da vida?
-Tô com fome
Quero pão

Rosalvo Júnior

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O PRÓPRIO SER EU CANTO

O próprio ser eu canto:
Canto a pessoa em si, em separado
- embora use a palavra Democracia
e a expressão Massa.

Eu canto o Corpo
Da cabeça aos pés:
Nem só o cérebro
Nem só a fisionomia
Tem valor para a Musa
- digo que a forma completa
é muito mais valiosa,
e tanto a Fêmea quanto o Macho
eu canto.

A vida plena de paixão,
Força e pulsão,
Preparada para as ações mais livres
Com suas leis divinas
O Homem Moderno
eu canto.

Walt Whitman