domingo, 22 de agosto de 2010

NOZES D'ÁFRICA

I
no vai e vem dessa história
eldorado sol e mar

II
água fresca cristalina
raio, pedra e luar

III
muito além dessa esquina
uma valsa descortina

IV
novo rito sobrescrito
um passado infinito
acordado maldito

trouxe lucro de réis
que aumentou para dez

e o discurso do frei
foi a base estelar

V
nosso ouro bacana
nosso açúcar de cana
nosso fruto do mar


VI
mais um ventre que chora
a justiça quilombola
já não tardará

Marcos Santana

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PODER

Nem as nuvens do céu
nem os passos no chão
mas os pássaros quando pousam
-ou mesmo voando-
os leves e rigorosos gestos
a duradoura potência
em lenta gestação.
Como grito de luta
para a multidão:
a faísca, a centelha
que revoluciona
incendeia a beira
de muito coração
Como um breve derramar
De sangue.
Como a efervescência
das lágrimas
Como vencer um furacão.

Lula Miranda

domingo, 1 de agosto de 2010

ADORMECE

Sentado naquela pedra, ele pousa uma mão sobre a outra e
permite o abraço do vento.
Sente o aroma selvagem daquele cavalo negro que corre sem parar.
O animal encontra outro que também corria naquele campo perfeito.
Vencidos pelo cansaço, os animais param e começam a lamber-se.
Os belos cavalos negros relincham para o alto
e voltam até cruzar a linha do horizonte.
Agora o estranho homem resolve despir-se num ritmo lento,
caminha uns cem metros,
deita na grama e adormece.

Railton Santos

quinta-feira, 29 de julho de 2010

CAMINHOS

Torturada por manhãs iguais,
fico à espera de um horizonte
que reconforte.

Viajo nas esferas adormecidas
perseguindo luzes fugidias
toscas chamas de ontem,
e tenho medo!

Conjugados os temores com suas
mensagens secretas,
percorro o amanhã num passo incerto,
tropeçando nas verdades carcomidas do presente..

Niza Nancy

domingo, 25 de julho de 2010

AINDA

Não veio o ônibus.
Não veio a vida.
Todos tamos,
Todos ainda,
Num ponto de ônibus,
À saída,
Prum lado e pro outro,
Pra vida ainda...

Mayrant Gallo

sábado, 24 de julho de 2010

JORNAL

Jornada de arranjos
Não musicais
Comerciais
O tinir das moedas
Arranjam

Quando não inventa
E transforma as poucas
Verdades

O conserto dos males
O remendo das falhas
Avistando as cores

Do
Arco-íris
Às avessas

Jornal
Papel de embrulho
(Não só de bagulhos
De dores inconsertáveis)
Onde a fome
Faminta doença a matar
Aos milhares
Se esquece

E o jornalista
Esse meio louco obcecado
Como que amordaçado
Termina
Embrulhado
E calado
Como toucinho ensacado
-Uma mentira bem contada
É o mesmo que a maior das verdades
Forjada-

A notícia acaba
Como sempre
Deturpada

Vira consumo
Supra sumo
Da mentira agenciada.


Rosalvo Júnior

quinta-feira, 8 de abril de 2010

SER LIVRE


Ser livre é ir mais além: é buscar outro espaço, outras dimensões, é ampliar a órbita da vida. É não estar acorrentado. É não viver obrigatoriamente entre quatro paredes.
Por isso, os meninos atiram pedras e soltam papagaios. A pedra inocentemente vai até onde o sonho das crianças deseja ir. (Às vezes, é certo, quebra alguma coisa, no seu percurso...)
Os papagaios vão pelos ares até onde os meninos de outrora (muito de outrora!...) não acreditavam chegar tão simplesmente, com um fio de linha e um pouco de vento!...



Cecília Meireles

domingo, 4 de abril de 2010

MARINHA

Barcos seguem em direção ao horizonte
Velas são asas
Asas são velas
Ilha ao centro
Gaivotas passeiam
Ondas balançam
Velas são asas
Navio apita
Barcos voam
Gaivotas navegam
No horizonte
O mar encontra o céu

Railton Santos

terça-feira, 30 de março de 2010

POEMA ITAPARICANO

Entre tantas viagens
Ainda me lembro...
Era junho
De um inverno tropical
Quando em pleno amanhecer
Atravessei a Baía de Todos os Santos
E aqui cheguei trazendo no bolso
A esperança em distribuir
Todo o legado de Raimond Van Der Haegen
Cantei Frère Jacques com meus pupilos
Bebi da água da fonte
E me embriaguei com o cheiro de peixe fresco
No mercado na beira do cais.

Railton Santos

domingo, 14 de março de 2010

BOMBARDEIO

Querem do poeta
Significação para tudo
Cheio de tudo
O poeta se levanta

A platéia atônita
Aguarda o desfecho de segundos
Mas o poeta se levanta
Se levanta
Se levanta
E nunca termina de se levantar.

Mayrant Gallo

sábado, 27 de fevereiro de 2010

ENTARDECER

O velho jeans
Percorre a trilha das folhas secas
Caídas daquelas mangueiras
Em direção ao Solar
Onde o músico toca Chopin
No piano secular.

O Solar que beira a baía
Onde todos os santos
Recolhem-se com o sol atrás da ilha
Deixando no céu esta estrela solitária
Que me pisca os olhos
E permanece distante.

Railton Santos

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

OLHOS PERDIDOS

São tantos olhos perdidos pela cidade,
corações solitários, que esqueceram de abrir os olhos
diante da realidade e
encarar a vida em qualquer lugar.
Pra que dizermos dos riscos que corremos pelas ruas por
não sermos ricos?
Pra que dizer sobre tudo que a televisão nos mostra pela
janela da porta pra fora,
se o político nos consome, se o nosso dinheiro some?
São tantos olhos perdidos pela cidade, tudo na cara
e tudo tão caro.
Mas o mundo segue assim, sem você e sem mim,
A vida se resolve, enquanto o tempo nos engole.
Nas canções se falam de meninos,
pelas esquinas proliferam como ninhadas,
são tantos olhos perdidos pela cidade pra nada.
Cúmplices e culpados lado a lado,
Lindos em seus ternos sóbrios quase sombrios,
famintos por aplauso.
Por acaso, louros nas cabeças onde mais mereciam
louros como piratas.
Ainda não estamos na pior, mas tudo pode ser bem
melhor;
Alerta camarada! Já estamos na estrada, fora da senzala.

Tony Oliveira

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

CARNAVAL MARGINAL

Pra desarticular o pensamento
entro na cabine telefônica
transformo-me em super-homem
e saio por aí
chutando lata
cabisbaixo.
Passista da escola “(Des) Unidos da Marginália”
passante dessas ruas iluminadas
vivo coreografar você
E você já nem se lembra
daquelas nossas danças mágicas.
Pára o som maestro!
Quero olhar-me no espelho.

Lula Miranda

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

RAILTON ENTREVISTA RICCO DUARTE


Na segunda metade do século passado (1977), quando lhe conheci, o Brasil estava sob o regime da Ditadura Militar e o Mundo dividido pelo Muro de Berlim. Estamos acabando a primeira década do Século XXI. O que mudou no Brasil e no Mundo?

R-Mudou muita coisa. O mundo ficou menor, a tecnologia derrubou fronteiras com o surgimento da internet por exemplo, caíram vários tabus, caíram inclusive o muro de Berlim e a ditadura militar no Brasil, mas o homem, apesar de tantas mudanças, basicamente continua o mesmo.


Quais foram suas leituras na infância e na adolescência?

R- Eu fui uma criança velha, daquelas que não jogava bola, nem de gude, preferia os livros e lia de tudo, desde as revistas semanais a enciclopédias. Meu pé de laranja Lima, do José Mauro de Vasconcelos, foi um livro que me marcou na infância, eu queria ser o Zezé. Depois caí matando quase tudo do Jorge Amado, Mar morto, Jubiabá, Gabriela etc. e como eu não tinha muitos amigos, li Cem anos de solidão do Gabriel Garcia Marques quando eu tinha treze anos, foi quando eu entendi a finitude de tudo, a existencia da morte como consequencia irreversivel da vida e tive a minha primeira crise existencial. O último tango em Paris do Robert Alley, também marcou minha adolescência.


Quando você descobriu seu talento para a Literatura?


R- O meu avô, que também era meu padrinho e a quem eu era muito ligado, dizia que eu ia ser um "homem de gabinete", pois eu só gostava de ler e escrever, ele pensava que eu seguiria a carreira diplomática, mas o meu talento natural é na verdade para a música, apesar de aos dez anos ter escrito meu primeiro poema, serenata, inspirado num poema do Drummond, eu gostava de ler Drummond aos dez anos de idade, meus irmãos achavam que eu era louco, mas louco é quem me diz...(rsrs). Então, respondendo a sua pergunta, vocação para a poesia desde sempre, na infância, a prosa surgiu em minha vida muito mais tarde, já maduro e só recentemente comecei a publicar no meu blog alguns contos e trechos dos dois romances que escrevi e que ainda não foram publicados.


Qualquer maneira de amor pode servir como fonte de inspiração?


R- Claro, inclusive o ódio, que é primo irmão do amor.


Quais são suas outras fontes de inspiração?


R- Eu sou um romântico inveterado. Mas gosto de brincar também com cenas banais do cotidiano, com o ridículo da vida.


Além da triste e alegre Bahia e da Cidade Maravilhosa, quais foram os lugares que mais lhe encantaram em suas viagens pelo mundo?


R-Muitos lugares me encantaram nas minhas andanças pelo mundo, Roma é a minha cidade favorita, Santorini na Grécia é a mais exótica, Lisboa, a mais aconchegante e Paris a mais bonita, depois do Rio, é claro.


Você vai votar em Marina, Serra ou Dilma? Por que?


R- Na Marina Silva. Por que sou ecologista e acho que ela representa a cara do Brasil, sem o ranço político que os outros dois tem.
O fato dela ter sido Ministra do meio ambiente e durante a sua gestão ter reduzido drasticamente as queimadas e desmatamentos na Amazônia, quando áreas enormes foram conservadas, mais de 700 pessoas foram presas por atividades ilegais na floresta, mais de 1.500 empresas foram fechadas, e equipamentos, propriedades e madeira ilegal foram apreendidos, é um fator importantíssimo, assim como a sua saída elegante do governo para não ser obrigada a ceder a pressões, prova que ela é acima de tudo, um ser humano digno e confiável. Ela coloca as suas idéias de maneira clara e simples, sem usar os artificios dos discursos politicos enjoados que vemos por aí. Ela tem o apoio incondicional de toda a classe artística e da intelectualidade brasileira, formadora de opinião e que também apoiou e ajudou a eleger o atual presidente, em 2002. Ela tem a cara do nosso povo e tenho certeza de que o povo brasileiro irá entendê-la rapidamente e elegê-la presidenta do Brasil.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

É FOGO

Nuvens em fuga
Fumaça no céu, onde
O Sol
Avermelha-se
Corando a face
Com a devastação da floresta
É tempo de seca
E de espera
Pelo que inda resta
O sofrimento do homem
Atesta-o
A testa brilha
O suor
E o cantar dos pardais
É rouco
Como rouca é
A voz
Que protesta:
- É fogo!

Rosalvo Júnior

domingo, 31 de janeiro de 2010

O APELO QUE RESTA

Conheço esta manhã:
Seu ar unido e úmido
Seu fundo azul
Sua baça claridade.

Esta manhã vivi lá,
Vivi aqui, no infinito,
Na vida e na morte,
Na impenetrável idade.

Esta manhã me salve
Esta manhã me grave
Esta manhã me crave
Em todas as tardes.

Mayrant Gallo

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

HOJE DESAPRENDO O QUE TINHA APRENDIDO ATÉ ONTEM

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.

Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano

permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender.

Cecília Meireles

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

ROSALVO ENTREVISTA RAILTON


P – Conheço algumas de suas inquietações, desde longínquos anos 80 quando descobríamos no teatro uma forma de manifestação cultural. Sei da sutileza do seu verso; onde busca inspiração?
R – Estamos acabando a primeira década do século XXI e minhas inquietações aumentaram. Sempre tive este jeitão contemplativo. O mundo se apresenta para mim como se fosse um quadro, e nele qualquer elemento pode servir como fonte de inspiração, assim como, por exemplo, a beleza da Baía de Todos os Santos, a devassidão do Largo Dois de Julho ou até mesmo a miséria dos que dormem na Praça da Piedade.
P – A idéia do Corcel Poético é muito bela e bem vinda a nós poetas (ou quase isso como me coloco). Como vê o uso dessa importante ferramenta virtual para a disseminação da poesia?
R – Aprecio a revolução que a Internet causou nas comunicações da Contemporaneidade, o mundo ficou pequeno. Vejo com entusiasmo o uso do Blog como forma de interação entre o escritor e seus leitores.

P – Qual o critério usado na seleção dos poemas que o site divulga?
R- O critério usado é a qualidade, tenho encontrado uma certa facilidade neste sentido, uma vez que tenho caminhado ao lado de pessoas talentosas e competentes. No Corcel Poético só tem feras.
P – Marina, Dilma ou Serra? O Brasil muda com esses candidatos?
Com Serra, o Brasil muda para pior e com Dilma ou Marina, ele muda para melhor. Ainda não sei em qual das duas eu vou votar.
P – Conheço um pouco seu lado místico, qual a influência de sua experiência de vida na sua poesia?
R – Cá entre nós, eu nunca fui materialista. Sou filho de Xangô e tenho ascendente em Sagitário; vem daí, esta inclinação para a Literatura.
Não sei viver sem minhas orações, meditações e de vez em quando gosto de fazer oferendas para os meus Orixás.
P – A poesia ou a vida lhe impõe limites?
R – A vida é bem maior que a arte, não existe ficção que supere o absurdo de certas cenas do nosso cotidiano. A vida impõe limites e a poesia não.
P – Como se coloca diante do massacre que nós humanos estamos impondo à natureza e ao planeta em que vivemos?
R – Como sou professor do ensino fundamental, procuro passar pro meus alunos uma consciência ecológica.
P – O medo do tempo é maior que a esperança da maturidade plena?
R – Não temo as rugas, nem os cabelos brancos. O que me angustia no processo de envelhecimento é ver a partida de entes queridos. Mas busco a maturidade plena. A minha mestra, neste sentido é Cecília Meireles.




terça-feira, 26 de janeiro de 2010

RAILTON ENTREVISTA ROSALVO

No Haiti, depois da Tragédia, pessoas brigando por comida, na Bahia pessoas vasculham o lixo atrás do pão. A poesia é útil para quê?

R – Mesmo diante das tragédias que a natureza impõe ao homem, e tem sido assim desde tempos imemoriáveis, que a poesia sobreviverá. Há versos – toscos versos - nos registros ancestrais rupestres. E continuará sempre existindo rima onde há flor, colibri e o sorriso; pode ser mesmo o sorriso triste de um sobrevivente do Haiti, que, como bem disse o poeta, pode ser aqui mesmo bem pertinho de nós.

Vc tem se revelado um grande cantor do Sertão. Alguma vez, já pensou em cantar o Mar?
R – A o mar, este também está entre os devaneios da poesia de todos nós. Mesmo quando o sertão se impõe por lembranças, o mar sempre é uma possibilidade. Quem sabe o dia a sereia, ou mesmo seu canto, faça-me voltar meus versos para essa grande casa da mãe dágua.
E os temas angustiantes, tais como morte e processo de envelhecimento?
R – A morte é um processo natural, uma meta metafórica para um recomeço. O envelhecimento, este também é conseqüência do tempo. Há que haver um amadurecimento da velhice, a compreensão dos limites para que o final seja indelével feito a brisa que nos bate no rosto em dias límpidos.
Já escreveu sobre o Homoerotismo?
R – Na verdade toda poesia tem um objeto de desejo, seja hétero ou homo. As carências estão presentes em muitos versos. Mas o importante mesmo é viver cada experiência com simplicidade e acima de tudo respeito.
Quais foram suas leituras durante a infância e adolescência?
R – Eu menino ainda. nos cafundós de minha querida Brotas de Macaúbas, era um incansável leitor. Amigo do chefe do posto do IBGE, que hoje inexiste na cidade juntamente com as mais diferentes representações e repartições públicas federais, tive acesso a uma grande biblioteca. Grande para o ser criança que era. Foi lá que conheci Machado de Assis, Jorge Amado, Monteiro Lobato e a maravilhosa Clarice Lispector, dentre tantos outros autores que me fizeram descortinar um mundo grandioso muito além das formações montanhosas da Chapada Diamantina.
Vai votar em Dilma, ou Marina Silva?
R – A história da “companheira” Dilma é impressionante, de coragem e desafios. Mas me comove mais a determinação de Marina, uma mulher marcada pela desesperança dos seringais amazônicos. São duas candidatas fortes que podem fazer muito pelo país, desde que o aparelhamento estatal seja desprezado juntamente com a distribuição de cargos às hienas políticas de sempre. Mas não sou político; na hora de votar o coração decidirá!
O que representa viver no século XXI?
R – É imperativo viver, mesmo nesses tempos difíceis de violência e luta pelo pão de cada dia. Mas creio que caminhamos para o futuro. Hoje a certeza de nossa sobrevida na Terra é maior que antes. Só que não estamos cuidando da sobrevida do nosso Planeta Azul. Fica a reflexão para o menor gesto que seja no dia a dia se transforme em carinho ao lugar em que vivemos...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

LÁGRIMA DE DIAMANTE

Os cabelos metamorfosearam-se em arame
Os dentes em marfim,
E tudo que ainda restava do antigo rosto...
Nesta pedra muito dura.

Do olho esquerdo saiu uma bala
Para quebrar aquele espelho.

Railton Santos

domingo, 17 de janeiro de 2010

A VIDA É UMA BÊNÇÃO

Todo dia ela passava
Pelas ruas
E derramava bênçãos
Toda noite ela passava
Pelas ruas
E derramava bênçãos

Passos rápidos
Pega a onça
Fazendo da enxada
A espingarda
Mata a onça

Todo dia ela contava
Histórias
E encantava o mundo
Toda noite ela contava
Estórias de onça
De cobra, de zabelê

Pele negra- curtida de sol
Pele negra- curtida de África
Cabelos brancos- marcas do tempo
Inclemente o tempo
A fazer-lhe rugas no rosto

A beleza do sorriso
Os passos da dança
A insistência de vivenciar
Todos os passos
Permaneciam
Marcando essa imensa
Demonstração de alegria
De que a vida é uma benção
Como as muitas que ela distribuía.

Rosalvo Júnior

sábado, 9 de janeiro de 2010

VEREDA

Rinrinando vai o carro de boi
Na manhã vasta de luz
Na secura que consome carne e cascalho
Na fome bruta a revirar entranhas como um verme.

Magro alimento a terra.
Magros boi e homem
Como se a doença os comesse.
Magro o rastro que fica para a arqueologia futura.

Mayrant Gallo

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

AMNÉSIA

Queria não mais te ver
Acordar pela manhã e não te encontrar
Sair por ai e não sentir você por perto
Queria não ter que sorrir para você
Ignorar suas piadas tolas
Seu humor oscilante
Não precisar alimentar seu ego.
Queria não lembrar de você
Tornar-lhe neutro, invisível!
“Deletar” qualquer coisa a seu respeito
Reeditar um novo enredo.
Queria mergulhar no grande mar do esquecimento
Sentir o silêncio da sua ausência
Não ter mais que te sentir.
Negar sua pré, pós e eterna existência.
No momento anterior: Não te ver.
Ulterior: Não te rever, esquecer.
Fazer o quê?
Pensei ter meu desejo realizado, que nada...
O reflexo do espelho desfez tudo.


Alfredo Oliveira

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A PALAVRA DE AMOR

Palavras são como gotas d’água
A procura da sentença certa.
As vezes a sentença é de morte
E se faz um corte com a faca cega.
Tem palavras que unem o sul e o norte
As que dão voltas
E as que seguem em linha reta.
As palavras gotas de sereno
São as minhas favoritas
Caídas da madrugada
Fugidas de uma possível noite escura
Para dizer que nada
Nada como um dia após o outro
Para descanso da lua
E para os louros de um sol intenso.
Tem as palavras zig zag
De quem dirige bêbado
As de almanaque
As de prozac
E as de quem dá tiro a esmo.
Mas a palavra de amor é direta
E atinge como uma flecha
O doce coração amado
Mesmo que ele seja velho e desdentado
Mesmo que ele escute pouco
Não enxergue direito
E bata assim distraído
Quase parado
Pensando que não tem mais jeito.
A palavra de amor é a que te salva
A que te estende a mão
Com todos os acentos
Porque a palavra de amor é cachoeira
Um rio que corre infinito
Para os oceanos da eternidade
É palavra que não se parte
Que não chega tarde
Que molha os olhos
Para enxaguar a alma
E assim permanecer inteira
Liberta!
Portas e janelas
Apontando para o horizonte
Pois a palavra de amor é fonte
De uma nascente que nunca seca.


Ricco Duarte

domingo, 3 de janeiro de 2010

MENINO RUEIRO

Menino rueiro
Que anda descalço
Pelas ruas desertas
Um deserto de idéias
E querer
Menino rueiro
Com os pés descalços
Na rua aos percalços
Sem amor
Menino rueiro
Correndo as calçadas
Brincando nas escadas
Sozinho
Sem ninguém
Menino engraxate
Sorveteiro, pipoqueiro
Vendedor de algodão doce
Que fizeram de você?
Menino esperança
Dessa terra, mundo cão
Rueiro é por índole
Que mais quer da vida?
-Tô com fome
Quero pão

Rosalvo Júnior

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O PRÓPRIO SER EU CANTO

O próprio ser eu canto:
Canto a pessoa em si, em separado
- embora use a palavra Democracia
e a expressão Massa.

Eu canto o Corpo
Da cabeça aos pés:
Nem só o cérebro
Nem só a fisionomia
Tem valor para a Musa
- digo que a forma completa
é muito mais valiosa,
e tanto a Fêmea quanto o Macho
eu canto.

A vida plena de paixão,
Força e pulsão,
Preparada para as ações mais livres
Com suas leis divinas
O Homem Moderno
eu canto.

Walt Whitman